A tela do celular primeiro brilha depois pisca, os dedos estão sempre ocupados apertando as teclas, digitando novos números para responder chamadas, enviar mensagens, resolver problemas que podiam muito bem esperar, mas o barulho da chamada apressa o que não tem importância e obrigada o destinatário da chamada, o escravo de prontidão, disponível a qualquer hora a dizer pelo menos “alô”, nem que seja com a boca cheia, mastigando um bife.
As pessoas estão ávidas por se manterem ocupadas, mesmo na hora do almoço, afinal celulares são para pessoas em movimento.
E com o tempo, assim como as roupas, o celular torna-se parte do vestuário. Esquecer o celular é como sair pelado, pelo menos a sensação é de estar sem as roupas. A incomunicabilidade será incluída na lista dos pecados capitais, estar com o celular é nunca estar fora, não dá pra dizer que você não está, você sempre está e recusar uma chamada é sempre uma falta de educação imperdoável, deve- se atender mesmo no banheiro... Haja visto todas as pessoas que deixam o celular cair no vaso sanitário, as assistências técnicas já estão acostumadas.
Todos estão ao alcance das nossas mãos, não importa o que você está fazendo e qual a distância. O único ponto estável é que o celular está no bolso!
O celular serve também para não conversar tanto com quem está ao lado, as pessoas em grupo quase não conversam mais, não se olham, não sentem prazer em estar juntas, agora elas apertam botões com as cabeças baixas, a conversa é substituída pelo barulhinho do botão.
O contato físico não determina mais a proximidade, são as conexões que determinam a proximidade.
Mas é bom esclarecer esse ponto da proximidade, em parte, porque a regra nº 1 do manual de utilização é nunca esquecer que comunicação não é o mesmo que relacionamento, isso é importante para a não construção de vínculos
Com o celular, você pode ser ao mesmo tempo solidário, se interessar pela vida dos amigos, e se ocupar de tudo de longe, com um distanciamento fundamental para um desligamento sem ofensas.
É assim que essas conexões que não tem vida e nem calor também trazem o beneficio da sociabilidade vazia , relações descomprometidas sem o menor constrangimento.
Sem contar que é muito legal mesmo ter 680 amigos conectados no celular o tempo todo, uma multidão de pessoas legais, destacadas, populares, geniais, que falam o tempo todo de si mesmas, o que estão fazendo e onde estão, manter-se junto com essa multidão é absolutamente....legal.
Pode-se também por exemplo correr para um local seguro quando as pessoas da rede ficarem delirante demais, é só desconectar. Entrar em contato não é obstáculo para desconectar.
Agora bom mesmo é ouvir a conversa interminável de algumas pessoas nos ônibus, no cinema, teatro.... Quem nunca ouviu essas pessoas falando sem parar em seus celulares, contando casos interessantes, executivos mostrando competência para todos que querem e não querem ouvir, adolescentes dando as coordenadas em altitude e latitude de onde estão ?
E não conseguimos deixar de prestar atenção nas conversas, em algumas situações elas são melhores que o livro que estamos lendo no transporte público a caminho de casa, não dá para ler e prestar atenção na conversa ao mesmo tempo. Será que essas pessoas quando chegam em casa ainda tem assuntos para conversar? Desconfio que é essa a comunicação real, quando chegam em casa correm para seus quartos e trancam as portas.
Agora ruim mesmo é ter um celular quando o carro quebra em uma rua deserta, quando alguém perde o namorado em um show lotado, isso obriga a usar a criatividade em outras desculpas para as horas que não se quer estar.
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