22/03/12
Havia uma flor no meio do caminho, no meio do caminho havia uma flor... E antes que eu a percebesse, dois segundos antes, uma pessoa se abaixou e a pegou, dois segundos antes daquela pessoa romper o ponto de intersecção do nosso encontro de caminhos anônimos cruzados.
Aquela pessoa a quem não lembro mais a fisionomia, se escondia atrás de um par de óculos escuros e grandes o que provavelmente ofuscou o brilho do vermelho da flor, ela aparentava o dobro da minha idade ao julgar pela cor de seus cabelos, sem me dirigir uma palavra sequer, disse que: a minha idade não é tão pouca assim para ignorar uma flor, apesar da cor dos meus cabelos.
E apesar também do sol alucinante que faz as pessoas andarem com o nariz recolhido em direção a testa e a respiração pesada, vi naquele rosto, uma expressão de agradecimento, uma pequena contração que sugeria um sorriso discreto no canto da boca quando a flor foi delicadamente arrancada do concreto e levada ao nariz, ali de longe absolvida pela delicadeza da cena que se desenrolou na minha frente e em frações de segundo, tentei imaginar um cheiro e não consegui...
Uma pessoa a que não lembro mais a fisionomia, de óculos de sol e cabelos brancos se curvou e se abaixou, quase numa reverencia para recolher uma flor que estava no chão, imperceptível ao não ser por ser vermelha, ao menos para mim que estava sem óculos o que me sugere que a cor não era a mesma para nós duas, mais sendo vermelho em qualquer escala, tom e brilho é o mesmo, o que desperta os sentidos de sobrevivência de qualquer animal.
Uma cena pseudo-sentimental acrescido de romantismo, um momento em um tempo em que as pessoas não se abaixam nem para recolher moedas perdidas julgando que o valor ali exposto no chão, não compensa o esforço cervical desperdiçado.
Uma cena isolada do dia, em que aconteceram milhares de outras coisas mais importantes
Mas a mesma flor, no meio do caminho, ocupando o mesmo lugar das pedras que atrapalham, já morta, colhida ou arrancada e por isso sem nenhum valor, foi percebida , no meio do caminho como pedra para alguns, cena para outros e para poucos como um presente do dia.
Mas deixando as pedras de lado, porque agora elas não importam muito, esclareço por parte da flor que se ofereceu , elegantemente no meio de tantos olhares levianos e que antes de secar com o sol quente ou ser pisada, (por pouco, por mim mesma!) emprestou seu último cheiro e sua ultima cor a quem passava que: O presente é digno para aqueles que entendem que visível, perceptível e invisível é uma coisa só e podem ocupar sim o mesmo lugar no espaço, pelo menos pra que não enxerga só com os olhos e mesmo assim vê.
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